quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Atividade Academia Brasileira de Sonetistas Abrasso®

 


VARIAÇÃO

A vida é sol e mar, estrela, dor, poeira
e urgência singular no mármore dos dias;
sorriso, beijo e sal e câmaras sombrias
na breve solidez da sorte que se esgueira.

A via lapidar esvai-se na canseira,
e um álibi se faz nas brechas fugidias.
O sonho morto e audaz revive em ambrosias,
na doce imprecisão um êxito se abeira.

A lídima emoção que colhe no deserto
resvala no porvir, na areia faz alfombra
e alarga um manancial no leito rude e incerto.

Assim a vida é flor, estio e primavera.
Tamanha variação, se fere, não me assombra.
O nada se refaz e o tudo se adultera.

Geisa Alves-
Cadeira nº 23
Patrono - Artur Azevedo

 

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CINZA

Recorda-te de mim enquanto morre o dia
e tudo ao derredor espelha os tons de mágoa,
auripurpúreos tons... Eu, que no peito trago-a,
relembrarei de ti nos véus que o ocaso fia.

Recordo-me de ti nas horas sem poesia,
em que sufoco a dor, no cerne da alma esmago-a
e livre da tristeza e dessa imensa frágua,
volto a pensar em nós e tudo me extasia.

Recorda-te do amor, que outrora foi o brinde,
que a vida concedeu e trouxe a paz infinda,
a dádiva maior, da qual ninguém prescinde.

Sem ti o pôr do sol se torna triste e cinza
pois toda a luz do sonho, a nuvem cobre e blinda,
impõe-me a solidão e tudo, em mim, se encinza.

Edir Pina de Barros
Cadeira n. 6 – Cecília Meireles

 

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SUPERAÇÃO

Sustento, a cada amanhecer, o alento
de acreditar na proteção divina
e em qualquer intempérie não lamento,
a minha persistência não declina.

Mesmo neste período tão violento,
hei de achar a saída da ruína,
durante as crises, nunca me acorrento,
a fé, em meu olhar, jamais termina...

Prossigo incólume no firme empreito
de trilhar um caminho assaz perfeito,
buscar estar feliz em profusão.

Sorver o suprassumo deste instante,
seguir, em meu viver, perseverante,
pois meu homônimo é superação.

Janete Sales - Cadeira nº 5
Patrono - Augusto dos Anjos

Paulino Lima - Cadeira nº 1
Patrono - Castro Alves

 

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A METÁFORA


A metáfora adorna o bom poema,
faz dele um hino forte e bem coeso
que dilata a palavra com extrema
harmonia: sentido, sem defeso.

Ela cabe em qualquer gentil esquema,
no contexto de todo verso ileso;
é a pérola amiga do fonema
que brilha com apego, sem reteso.

A metáfora enfeita o metro branco,
enriquece o verniz da rima pobre,
dá novo brilho ao texto, com primor.

Sem ela, toda gesta nega o flanco,
nenhum poema o parco veio cobre
nem consegue espelhar seu esplendor.

Basilina Pereira
Cadeira: 33 - Patrono: Jorge de Lima

 
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LÚCIDAS LEMBRANÇAS

Tem-me chegado lúcida lembrança
de um tempo que foi bom, mas foi fugaz;
recordação que vem e não me cansa,
não me cansa, de veras, bem me faz.

Sem mais caber, tão cheio de esperança,
maravilhoso o tempo de rapaz,
de pôr as coisas onde não se alcança,
por ser, também, quimérico e falaz.

Mas muito bom, e dele me recordo
quando me deito. E logo, quando acordo,
ponho as mãos para os céus muito contente.

Porque me foram, no frigir dos ovos,
os tempos velhos, tanto quanto os novos,
demais da conta, bons, incrivelmente.

Raymundo Salles
Cadeira 18 - Ineifran Varão 

 

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O CANTO DO SABIÁ

Ouço um trinado no alto da palmeira
e vejo o pássaro, veloz, voando...
observo atentamente e vejo quando
ele passa...num lance de primeira.

Pousa, e a plumagem se sacode inteira!
Com um "riso emplumado", grácil, brando,
pelo telhado, segue, vai cantando,
até um vão, no fim da cumeeira.

Vai saltitante, alegre e chega ao ninho,
o belo sabiá, que, de mansinho,
encontra a sua amada e os filhos seus.

Realizado o seu maior desejo,
chora... e "lágrimas doces" vêm sem pejo,
e canta aos céus, agradecido a Deus!

Aila Brito - cadeira 32
Auta de Souza

J. Udine - cadeira 07
Mário Quintana

 

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Mesmo em face do mal em graúda campanha,
nunca negues a fé em que foste educado;
muito embora a matilha arremeta com sanha,
não esqueças de quem delegou-te o cajado…

pois Aquele que ungiu não despreza o soldado.
Na vigília da noite a incerteza é tamanha,
é mister relembrar que o horizonte ensombrado,
o terrífico véu que deveras acanha,

tem seu término quando a manhã nos alcança;
mesmo o tétrico breu na alvorada esvanece.
Não desprezes, jamais, o fanal da esperança!

Considera que tudo é finito e fugaz,
mas existe um além; apresenta uma prece
ao Supremo Senhor… e adormece na paz!

J. Erato
Cadeira 25 - Vicente de Carvalho

 

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PELA PASSAGEM DO DIA DO AMIGO

Não sei quantos amigos vivos tenho!
Não aqueles comuns, porém os raros
que, na escassez, tornaram-se mais caros
com os vincos que vêm em cada cenho.

Nessa realidade que desenho
buscando nas lembranças os reparos
como visionário de olhos claros
querendo vê-los perto sem desdenho.

Assim, enquanto o tempo voa e passa
encontro alguns, sentados numa praça
ruminando os seus próprios sentimentos.

Mas outros tantos já não vejo mais
no curso desses tempos atuais
porém seguindo, mesmo a passos lentos.

José Walter Pires
Cadeira n° 34
Patrono - Sá de Miranda

 

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SONETO A MARCEL PROUST

As esfinges do Tempo e da Memória,
em rara aparição supraterrena,
lançaram luzes sobre a tua pena
sensível, colorida e meritória.

E assim tu nos narraste a tua história
como ninguém narrou. Cena por cena,
desde o copo de chá com madalena
até o ocaso dessa trajetória.

Amores... Impressões... Refinamentos...
Combray... Paris... Salões algazarrentos
em que a soberba reina sem pudor;

mas os trechos mais belos destas linhas
foi quando vislumbrei as tais mocinhas
à sombra de uma vida toda em flor...

Paulo Lucas Fares
Cadeira n. 8 – Manuel Bandeira

 

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SE ELES PASSARÃO...

Na singeleza sábia, nos dizia
que vale a pena amar, aos quatro ventos,
das ruas dos mais ternos cataventos,
às luzes dos espelhos da magia.

Buscava, no sapato que floria,
agouro para todos os lamentos,
enquanto despontava, em passos lentos,
mais uma vez, a sua poesia.

Um dia, sem glamour e sem dinheiro,
o incrível aprendiz de feiticeiro
jamais lamentaria estar sozinho

e mesmo despejado de um hotel,
ainda, repetia o menestrel:
“ ...e, se eles passarão, eu passarinho...”

Adilson Costa - Cadeira nº 21
Patrono - Euclides da Cunha

 
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FLOR À REVELIA

Há mais valor nas cores que nas dores.
Amaste! Foste o objeto de um desejo,
de espinhos percorreste este sobejo
bosque atrás de metáforas em flores;

declinados prazeres, dissabores
matizados descrevem o cortejo
em que perdeste o teu destino andejo
pela floresta farta de furores.

Todo furor valeu-te o amado. A amada
que amaste no passado valeria
que a amasses novamente, pois em cada

lágrima, embora efêmera, a alegria,
malgrado todo espinho, é recordada
na dor como uma flor à revelia.

Marcelo Diniz
Acadêmico Honorário

 

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SIDEREANDO

Reluz a lua cheia, a noite avança
garbosa, alegre, mística, sombria,
e uma constelação sutil desfia
no meu peito um punhado de esperança.

Fecho os olhos... Perdida na lembrança,
vou ao encontro ardente da alegria,
e abro um sorriso, e choro... E quem diria?
Meu espírito canta, encanta e dança!

Ao longe, Vênus brilha sem parar,
e Júpiter aos poucos se apresenta
sobre a névoa celeste do luar.

A minha dança airosa e meio lenta
chama o universo, chama-o sem parar...
"Vem, vem, se arrisca. Vai, se arrisca, tenta"!

Maria Antonia de Souza Silva
Acadêmica Honorária

 

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ESTUDANTE


Um coração que estuda e sonha o dia
em que caminhos vão se abrindo largos
para um doce futuro, sem amargos
sabores de aventura ou agonia.

Ah, estudante! Qual mágica harmonia
ressoa desta mão que leva encargos
capazes de vencer quaisquer embargos
que apareçam em sua melodia?

Mesmo que a dor lhe bata na janela,
passageira será, pois preparado
foi para a vida e muito bem formado.

Que seja seu futuro uma aquarela
de palavras e cores que entrelace
seu sonho à luz maior, e o mundo abrace.

Márcio Adriano Moraes
Cadeira nº 14
Patrona - Florbela Espanca

 
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REALIDADE

"Surfando uma insigne fantasia"
(Albino Veloso, em Ilusão)

Não é tarefa assim tão complicada -
e só por tal motivo é que me meto -
a de escrever um regular soneto,
como este aqui, sem pretensão a nada.

Quando se aprende a ter a voz rimada,
no calculado esquema do quarteto,
sem muito labutar vai-se ao terceto,
quase fechando a ideia sustentada.

Quando se aprende o ritmo apropriado,
e as tônicas que dão seu tom rufado,
já brota o decassílabo em folia,

heroico ou sáfico, de tal fluência
num milagre de som e de cadência,
e já se "surfa a insigne fantasia"

Cadeira n° 36 - Filipe Rodrigues Cavalcante
Patrono - Ariano Suassuna 

 

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PENSAR BEM É UMA ARTE

Pensar sugere ver a luz na neve,
ter sempre o brilho limpo, claro, penso:
vencer na mente o escuro, do erro breve,
sem salvamento, crer que o mar é imenso.

O pensamento traz razão e deve
ouvir primeiro, calmo e nunca tenso.
Dar sugestão propõe ter alma leve
e analisar os prós ou contrassenso.

Transformação mental, em arte assino,
maturidade expõe fiel processo,
a evolução ocorre ao som do sino.

Ponderação não deixa agir depressa,
o livre arbítrio trata o que eu acesso:
quem pensa bem nem quer fazer promessa.

Silvia Araújo Motta
Cadeira 9-Abrasso
Patrono Guilherme e Almeida.



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